17 outubro 2013

Entre Amigos


12 de abril de 1999

Para que serve um amigo? Para rachar a gasolina, emprestar a prancha, recomendar um disco, dar carona pra festa, passar cola, caminhar no shopping, segurar a barra. Todas as alternativas estão corretas, porém isso não basta para guardar um amigo do lado esquerdo do peito.

Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu em seu último livro, "A Identidade", que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunhas do passado e diz que eles são nosso espelho, que através deles podemos nos olhar. Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos.

Verdade verdadeira. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo contruído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão. Veremos.

Um amigo não racha apenas a gasolina: racha lembranças, crises de choro, experiências. Racha a culpa, racha segredos.

Um amigo não empresta apenas a prancha. Empresta o verbo, empresta o ombro, empresta o tempo, empresta o calor e a jaqueta.

Um amigo não recomenda apenas um disco. Recomenda cautela, recomenda um emprego, recomenda um país.

Um amigo não dá carona apenas pra festa. Te leva pro mundo dele, e topa conhecer o teu.

Um amigo não passa apenas cola. Passa contigo um aperto, passa junto o reveillon.

Um amigo não caminha apenas no shopping. Anda em silêncio na dor, entra contigo em campo, sai do fracasso ao teu lado.

Um amigo não segura a barra, apenas. Segura a mão, a ausência, segura uma confissão, segura o tranco, o palavrão, segura o elevador.

Duas dúzias de amigos assim ninguém tem. Se tiver um, amém.

Martha Medeiros

08 outubro 2013

O grito dos Excluídos

Imagem: Mário Rodrigues

Estava subindo a Rua da Bahia no centro de Belo Horizonte em um sábado qualquer quando a avistei. Dezenas de pessoas já haviam passado por ela, outras dezenas ainda passariam, e eu infelizmente seria mais uma. Com uma criança no colo a mulher sentada no passeio repetia a frase: “Você pode me ajudar...” para cada rosto que cruzava o seu caminho, mas para os passantes era como se ela não estivesse ali. Ao passar por ela senti uma pontada no coração, e logo depois me veio o seguinte pensamento: Meu Deus, quem ouve o pedido dessas pessoas? E desde então isso passou a me incomodar.

Não muito tempo depois desse episódio, me deparei novamente com a realidade cruel das ruas – sei que não é preciso andar muito pra isso, e sei também que existem inúmeras outras pessoas nessa situação, mas há casos que realmente nos chamam atenção – avistei uma mulher que mancando caminhava no meio da avenida amazonas, sem preocupar-se com os veículos que passavam por ela em alta velocidade. A mulher de aparência castigada tinha a cabeça raspada, roupas sujas e uma tristeza muito grande no olhar. Observei que as pessoas a evitavam e senti o desprezo de muitos para a pobre criatura. Não conseguia tirar os olhos dela e percebi que passava a mão pela cabeça repetidamente e unia os dedos como se procurasse por algo, por vezes resmungava sem retirar as mãos da cabeça: Meu cabelo, cadê meu cabelo?

E então novamente me fiz a pergunta, quem dentre nós ouve o grito de socorro destas almas aflitas? Quem ouve o gemido de dor, de fome e de medo dessas pessoas que sobrevivem com os restos dessa sociedade consumista? Ou ainda, quem pode remediar o que esse povo sente? Pois maior que a pobreza e a falta de condições é a humilhação que sofrem, é o desprezo e a rejeição que a sociedade lhes imputa. E então, quem poderá defendê-los?
O Senhor disse: "Eu vi, eu vi a aflição de meu povo que está no Egito, e ouvi os seus clamores por causa de seus opressores. Sim, eu conheço seus sofrimentos.
Êxodo 3:7

Enquanto o mundo se move, e todos se mantém em sua rotina frenética, eu pergunto: Quantos vão parar suas vidas, deixar de olhar para o próprio umbigo e fazer por estes, denominados excluídos, o que o governo não faz ? Deus ouve o clamor desse povo, mas ele conta com nossa ajuda para alcançar essas pessoas. Lembrando que Ele mesmo disse:
“[...]Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.”
Mateus 25:37-40
E então, até quando fecharemos nossos olhos para o sofrimento desse povo?